segunda-feira, 26 de julho de 2010

Vejam que legal!

Os disc jockeys sessentões
Por Rodrigo Turrer
Quem são os vovôs e as coroas que adoram música eletrônica e frequentam o primeiro curso para DJs da terceira idade do Brasil
Professor de relações internacionais com doutorado em história econômica pela Universidade de São Paulo (USP), o chileno Rodrigo Ruiz, de 63 anos, segue o figurino-padrão de seus colegas de ofício. Camisa social por dentro da calça de sarja, óculos discretos, sapatos pretos bem lustrados, uma malha de lã cáqui jogada sobre os ombros e uma pasta de couro preta nas mãos. É com essa roupa que ele dá suas aulas – e é também assim que ele chega, uma vez por semana, ao curso em que aprende os macetes para animar uma pista ao som de... música eletrônica. Isso mesmo. Ruiz é um dos alunos da primeira escola de disc jockeys para a terceira idade, no centro de São Paulo.
Quando está no comando dos toca-discos (ou pickups, como se diz entre os DJs), ele jamais põe para tocar um disco de tango, salsa ou bolero. Ruiz só tem ouvidos para as batidas que se ouvem em festas rave. “Eu sou louco por tecno e house. É demaissss!”, diz, com um sotaque que sobrevive aos 32 anos vividos em São Paulo.
O curso para DJ que Ruiz frequenta é exclusivo para pessoas acima de 50 anos. “Muita gente dessa faixa etária vinha na escola perguntar se tinha curso para DJ”, afirma Lisa Bueno, DJ há 13 anos, coordenadora do curso em sua escola, e-djs. “Quando o Rodrigo me procurou, estava até disposto a fazer aulas particulares. Como a demanda cresceu, decidi criar o curso especial, para que os alunos mais velhos não ficassem desconfortáveis ao lado dos jovens”.
Em três meses do curso, com aulas semanais de uma hora e meia, Lisa fica à frente dos pickups para mostrar o que faz um DJ. Ela prepara os alunos para lidar com equipamentos como o equalizador, que permite melhorar o som balanceando as diferentes frequências da gravação, e o mixer, usado para fazer a passagem de uma faixa para outra sem que um corte seco, ou um “buraco”, as separe. Para isso, Lisa mostra a importância de sentir a batida das músicas e sincronizá-las. Enquanto dá uma geral em todas as vertentes eletrônicas, ela ainda traduz os termos usados pelos DJs, a maioria em inglês. Suas aulas para a terceira idade só não ensinam a fazer scratch, aquele movimento de vaivém com as mãos sobre o disco de vinil que costuma ser o ponto alto de muitas apresentações, dependendo da habilidade do DJ. “Isso é para um nível avançado”, diz. Os alunos podem levar a música que quiserem. Ninguém tira do baú os vinis de Julio Iglesias, Lucho Gatica ou Ray Conniff. “Eles são bem modernos, uns trazem funk, outros jazz, mas em geral é house e eletrônico, mesmo”.
A escolha surpreende ainda mais quando se leva em conta o perfil dos alunos. Na primeira turma há uma dona de casa que se matriculou em solidariedade ao filho (ele quer ser DJ, mas enfrenta a resistência do pai). Outra senhora, fascinada por música desde a infância, quer cantar jazz e mixar as próprias músicas. Rodrigo Ruiz faz parte dos apaixonados por tecno. Com seus fones de ouvido, ele comprime os olhos ao sincronizar a batida das músicas, enquanto dobra os joelhos no ritmo do que ouve. “Sente esse som!”, diz, com o volume no máximo. Quando terminar o curso, ele pretende comandar apresentações próprias em um show pouco convencional: “Quero sincronizar música e iluminação na batida, acho irado!”, afirma, usando uma linguagem inesperada para um mestre em relações internacionais.
Para realizar seu ambicioso projeto, Ruiz comprou todo o aparato necessário para treinar em casa: pickups profissionais, aparelho para mixar e caixas de som enormes. Antenadíssimo, ele garimpa seu repertório em 300 estações de rádio da internet e usa algumas em suas mixagens caseiras. Quinzenalmente, grava coletâneas de seus sons para as quatro netas, que moram no Chile. “Elas recebem e adoram, me incentivam”, diz. Sua mulher, de 55 anos, é menos receptiva ao entusiasmo do marido DJ. “Quando começo a tocar, ela reclama. Até já conheço a desculpa: diz que está com dor de cabeça”, afirma. “Sei que ela gosta mais de samba e de bolero, mas eu acho cafona”.
O marido da artista plástica Ângela Lelia Vela, de 53 anos, também não é chegado ao som bate-estaca que a mulher põe para tocar nas aulas. Mas achou natural quando ela comunicou que faria o curso. “Ele se acostumou comigo, sabe que eu gosto de um agito”, diz Ângela. “Eu curto esportes radicais, rafting, trilhas, vou a cavernas caçar morcegos com minha filha bióloga. Meu sonho é escalar o Everest”.
Fã de todos os tipos de música, Ângela “pirou” no eletrônico depois de uma festa em que acompanhou as filhas, há quatro anos. “Fui a uma rave com elas e achei incrível, era empolgante.” Encantada com o batidão, Ângela quis aprender a comandar os pickups, por puro divertimento. Teve de desistir pela falta de cursos. Procurou de novo meses atrás, quando conheceu a DJ Mammy Rock, ou Ruth Flowers, uma senhora inglesa de 69 anos que lançou um álbum eletrônico e lota discotecas em apresentações pela Europa. “Ela é a prova de que música é a maior adrenalina, rejuvenesce”, afirma Ângela. “Tem gente que diz que quero me achar jovem, mas são uns caretas. Acham que a gente envelhece e vira mosca-morta. Eu não”.

Fonte: Revista Época

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